quarta-feira, 9 de março de 2011

Prato Inteligente

Tenho um casal de amigos que, ao tornarem-se vegetarianos, foram gradualmente desanimando quanto aos preparos gastronômicos dada a associação da falta de produtos naturais básicos no mercado com a de criatividade na elaboração de cardápios. Eles não mais conseguiam imaginar o que fazer na medida em que ainda tinham na cabeça a pirâmide alimentar do Ministério da Saúde brasileiro que remonta a década de 60, indicando 60% de carboidratos, muita proteína animal, pouca salada crua e esquecendo-se da água. Só para lembrar, pirâmide alimentar é aquela que diz o que devemos comer e a proporção. É um assunto que, todavia, não pretendo alongar-me. Vamos partir ao essencial que é a organização de um cardápio sem carne e baseado, na medida do possível, em produtos naturais, integrais e orgânicos.

Você poderá, entretanto, dizer que esses produtos são caros, que seu orçamento não alcança esse luxo ou que você não é rico para pagar até dez reais por um quilo de arroz integral enquanto o branco custa um terço deste valor. Escuto muito isso em meu dia-a-dia! Tudo bem. Continue lendo, pois há saída e vou abordá-la em seguida. Se você não consegue praticar o ideal há alternativas possíveis para seu bolso.

O Que Deve Conter um Cardápio Natural ?

Depois que nos acostumamos fica muito fácil organizar. A montagem de um cardápio diário, para lanches, almoço ou janta depende da linha de alimentação que você escolheu:

·   Onívora: Os que comem de tudo, inclusive carnes. Há também, dentro desta linha, os semi-vegetarianos, que comem carne eventualmente, geralmente aos finais de semana e os pisco-vegetarianos, que além de muitos vegetais, costumam ingerir peixes.

·   Ovo lacto-vegetariana: Utilizam ovos e leite. A maioria dos ovo-lacto-vegetarianos ingere ovos e leite de qualquer origem. Há, porém, os que se preocupam com a vida dos animais que vivem enclausurados/explorados e abstém-se de ovos e leite provindos de animais que não sejam bem tratados.

·   Lacto vegetariana: Utilizam vegetais e leite. Aqui também há os grupos com tendências mais ecológicas,  preocupados com uma fonte de lácteos que não prejudique a vida animal e os que não ligam para a qualidade ou procedência dos alimentos. Praticamente metade da Índia pratica o lacto-vegetarianismo.

·   Vegan ou Vegano: Utilizam vegetais, cereais integrais, leguminosas, derivados de soja e não utilizam nenhum produto de origem animal, onde se incluem os frugívoros, que só comem frutas e os crugívoros que só comem vegetais crus. Muitos vegans também dispensam o mel por significar este produto um instrumento de exploração de abelhas que muitas vezes são forçadas a trabalhar muito mais do que normalmente o fariam.

Difícil, porém, é encontrar alguém que siga estritamente uma dessas escolas. Normalmente as pessoas oscilam muito, principalmente as que dependem de baixos recursos financeiros.

Independente de tendências, quero propor a seguir, uma organização de cardápio que atenderá maior parte  das necessidades. É bom lembrar que não estamos aqui propondo curas ou terapias específicas, mas uma mudança de hábitos que atenda necessidades globais.

Começando pelos Crus

Conforme comentei no capítulo sobre “alimentação viva”, para que tenhamos um bom potencial de energia vital, o ideal seria ingerirmos no mínimo metade do que comemos diariamente de alimentos crus na forma de saladas, frutas, verduras, raízes e sucos diversos. No caso do almoço, lanches ou jantar, você pode controlar o processo percebendo os pesos dos ingredientes. Por exemplo, ao preparar um sanduíche, para o caso dos vegans que não ingerem produtos animais, poderia ser da seguinte forma:

·         02 fatias de pão integral ou pão enriquecido com farelo de trigo
·         01 fatia média de tofu
·         02 colheres de sopa com maionese de cenoura
·         01 pitada de gersal
·         01 porção de grãos germinados
·         04 rodelas de pepino
·         02 folhas de alface
·         caldo de limão
·         salsinha picada
·         Opcionalmente: óleo de oliva (azeite), shoyu, tahine

No caso de um lacto vegetariano, opcionalmente, poderia utilizar queijo, preferencialmente orgânico, ao invés de tofu e fazer um sanduíche muito saudável. As verduras normalmente são muito baratas, principalmente se você especializar-se na produção caseira. O pão, ao invés de farinha integral, pode ser feito com farinha branca enriquecida na proporção de 200g de farelo de trigo para 1 kg. de farinha. Mesmo sem queijo esse sanduíche seria muito gostoso!

Hora do Almoço!

           

Boa hora essa!Principalmente se a utilizarmos como alavanca de saúde. Vamos começar nossa refeição não fazendo cara feia para os alimentos verdinhos. Isso mesmo. Vamos servir um belo prato com grãos germinados de alfafa, lentilha, rabanete, trevo ou outros (de preferência preparados por você) como rúcula, alface, pepino, cenoura e beterraba raladas, tomate picado e outros disponíveis. Acrescenta-se a essas maravilhas caldo de limão, shoyu, molho de iogurte, maionese de tofu ou um belo vinagrete natural. Esse prato, independente do tipo de dieta, deve representar mais ou menos metade da comida e a outra metade pode ser de cozidos como arroz integral, feijão ou lentilha, jardineira colorida de raízes, abobrinha ao forno (gratinada ou não) e bife de soja acebolado.

           A vantagem de iniciar a refeição pelas saladas cruas é que verduras levam menos de uma hora para digerir, enquanto, por exemplo, arroz e feijão levam em torno de quatro horas. Assim você come primeiro o que digere mais facilmente, evitando fermentações.

Além disso, essa atitude também pode ajudar na redução da obesidade, pois, ao começar pelas saladas, a tendência, será de ingerir menos pratos quentes com carboidratos e gorduras.

Cereais Integrais ou Enriquecidos

Para que seu cardápio, principalmente o vegan, seja bem equilibrado, sem risco de faltar proteínas, você deve ingerir sempre uma parte de leguminosa para três de cereal. Explicando: Se você servir, por exemplo, 150 gramas de arroz integral ou trigo de quibe, deverá servir 50 gramas de feijão, lentilha ou grão-de-bico. Isso garantirá o equilíbrio de aminoácidos (os construtores de proteínas) desde que o cereal seja integral ou enriquecido com seu respectivo farelo. No capítulo sobre “cereais” trabalho também essa questão e falo sobre a maioria deles, explicando suas vantagens.

Vejamos agora, caso você não tenha possibilidade de adquirir arroz integral devido ao alto preço ou ausência na região. A solução é utilizar o arroz branco e enriquecê-lo com farelo de arroz na proporção de uma colher de sopa para 100 gramas de arroz. Desta forma você estará devolvendo ao cereal arroz boa parte dos nutrientes e fibras que foram extraídos quando ele era integral. O farelo de arroz você pode comprar diretamente no “beneficiador”. Diga a ele que você quer farelo para consumo humano. Isso garantirá a boa qualidade. As casas de produtos naturais também vendem farelo de arroz. O custo é mais alto. Mesmo assim vale a pena, levando em conta o preço do arroz integral. Tenha claro, entretanto, que não é a mesma coisa consumir um ou outro. Há nutrientes que se perdem definitivamente na retirada industrial do farelo. Mas continua sendo melhor enriquecer com farelo do que comer apenas o grão refinado e branqueado. Caso não consiga o farelo de arroz, você pode utilizar o farelo de trigo. Ambos necessitam ser tostados por 20 minutos, peneirados e estocados em vidros secos onde duram até 60 dias.

Leguminosas

A maioria dos vegetais que dá em vagens é leguminosa. Alguns exemplos são: feijão preto, feijão branco, feijões diversos, lentilha, ervilha, grão-de-bico, tremoço e soja. Os estudos que realizei nos últimos anos levaram-me à convicção de que o feijão azuki é a melhor de todas as leguminosas. Suas digestão e absorção são ótimas e muito raramente causa gases. O cozimento é rapidíssimo, também a germinação é rápida. O sabor é maravilhoso caso você seja treinado para apreciá-lo.

Um dos maiores problemas, entretanto, da cozinha moderna chama-se feijão preto. Sua grande quantidade de toxinas causa muitos gases e interfere na absorção de nutrientes, ou seja, você come muito e ganha pouco. Por apreciá-lo muito, várias pessoas ficam tristes quando digo isso em palestras. Quando me atrevo a fazer essa afirmação na televisão ou no rádio, muita gente liga para protestar! Perguntam como ficará sua feijoada de final de semana e seu feijãozinho preto do dia-a-dia!

Mas há uma solução que era bem conhecida por nossos avós e antepassados.   Eles costumavam deixar o feijão de molho de um dia para o outro e, após, retiravam aquela água escura e colocavam para ferver. Assim que a fervura iniciava, eles, novamente, retiravam a água preta devolvendo o feijão ao fogo com nova água. Esse é o momento de acrescentar no feijão, por exemplo, folhas de abóbora, chuchu e taioba picadas, além de outras raízes e verduras. Faça isso, mas logicamente, dispensando ingredientes animais. Assim o delicioso feijão preto fica no ponto para acompanhar o arroz integral ou arroz branco enriquecido com farelo.

Quanto aos demais feijões e as outras leguminosas cujas quantidades de toxinas são mais amenas, cozinhe normalmente, lembrando que as mais tenras como azuki e lentilha derretem muito se deixados de molho anteriormente ao preparo. Procure sempre enriquecer as leguminosas acrescentando raízes, legumes e verduras. Conheça no capítulo sobre leguminosas, minhas receitas de feijoada e mocotó vegetarianos, preparados com glúten, tofu e algas marinhas. Elas fazem sucesso nas oficinas práticas!

Verduras ou Legumes

Veja que interessante: Cereais crescem para cima, em direção ao céu. Leguminosas dão em vagem que apontam para baixo, em direção à terra. Acabamos de comentar esse par de opostos complementares no texto anterior. Conversemos agora sobre um novo par: verduras (ou legumes), que dão acima da terra e, após, raízes, tubérculos e bulbos, que se desenvolvem dentro do solo.

É importante registrar que folhas, talos e raízes normalmente complementam-se entre si. Por exemplo, as folhas e os talos da beterraba são os melhores companheiros para a raiz da beterraba em um cardápio. Aliás, normalmente as folhas têm muito mais nutrientes do que as respectivas raízes. Observe, por exemplo, no caso de 100g de mandioca e 100 g de folha de mandioca desidratada:

Nutriente
Mandioca
Folha da mandioca
Proteínas
0,8g
7,0g
Ferro
1,1g
7,6mg
Cálcio
35mg
303mg
Vitamina A
2mg
1960mg
Vitamina C
39mg
311mg

Veja o caso da beterraba, recém citada:

Nutriente
Beterraba
Folha da beterraba
Proteínas
1,7g
3,2g
Ferro
0,8mg
3,1mg
Cálcio
14mg
114mg
Vitamina A
2mg
525mg
Vitamina C
5mg
50mg